domingo, 18 de janeiro de 2009

Uma folha de mim


"Uma folha de mim lança para o Norte,

Onde estão as cidades de hoje que eu tanto amei;

Outra folha de mim lança para o Sul,

Onde estão os mares que os Navegadores abriram;

Outra folha de mim atira ao Ocidente,

Onde arde ao rubro tudo o que talvez seja o Futuro,

Que eu sem conhecer adoro;

E a outra, as outras, o resto de mim

Atira ao Oriente,

Ao Oriente donde vem tudo, o dia e a fé,

Ao Oriente pomposo e fanático e quente,

Ao Oriente excessivo que eu nunca verei,

Ao Oriente budista, bramanico, sintoísta,

Ao Oriente que tudo o que nós não temos,

Que tudo o que nós não somos,

Ao Oriente onde - quem sabe? - Cristo talvez ainda hoje viva,

Onde Deus talvez exista realmente e mandando tudo".



Álvaro de Campos, Obras Completas de Fernando Pessoa

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